Alimentos – Alimentos Gravídicos (Jesualdo Eduardo de Almeida Júnior)

RESUMO: Este artigo pretende discutir a inovação trazida pela Lei nº 11.804, de 5 de novembro de 2008, que criou a figura dos alimentos gravídicos. A proposta é uma análise sucinta das relevantes introduções legislativas, uma abordagem crítica e sugestões de lege ferenda.

PALAVRAS-CHAVE: Alimentos gravídicos; nascituro; inovação legislativa.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Alimentos; 2 Proteção ao nascituro; 3 Alimentos gravídicos; 4 Questões processuais; 5 Improcedência dos pedidos – Irrepetibilidade dos alimentos; 6 Termo inicial dos alimentos; 7 Foro competente; 8 Execução; 9 Alimentos gravídicos avoengos; Considerações finais; Referências.

INTRODUÇÃO

Acaba de ser editada e já se encontra em vigor a Lei nº 11.804, de 5 de novembro de 2008, que permite à mulher gestante pleitear alimentos do presumível pai. Embora a expressão “gravídica” seja estranha, a novidade é de ser comemorada com entusiasmo e só vem confirmar a tendência jurisprudencial de se deferir alimentos aos nascituros.

Pretendeu esse artigo fazer comentários a respeito desta lei, em um primeiro momento discorrendo sobre a natureza jurídica dos alimentos, para, empós, abordar a respeito dos direitos dos nascituros.

Na parte final, deu-se a análise dos artigos da Lei dos Alimentos Gravídicos.

1 ALIMENTOS

Os alimentos não têm um conceito legal específico. No entanto, usa-se o art. 1.920 do Código Civil como parâmetro, pois ali se lê: “O legado de alimentos abrange o sustento, a cura, o vestuário e a casa, enquanto o legatário viver, além da educação, se ele for menor”.

Assim, tem-se que os alimentos abrangem a manutenção da vida, o tratamento e a convalescença de doenças, as vestimentas e as despesas de habitação. Neste passo, Spencer Vampré 1 leciona que alimentos seriam “tudo quanto é necessário para o sustento, o vestuário e a habitação. Esses alimentos são denominados de alimentos naturais, pois se destinam às despesas ordinárias de manutenção do alimentado”.

Ao seu turno, o art. 1.694 do Código Civil determina que: “Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação”. Aqui, denota-se a preocupação não somente com a manutenção do indivíduo, mas também com as suas condições sociais e educacionais. Trata-se de um conceito de alimentos mais alargado, denominados doutrinariamente de civis ou côngruos. Conforme Ênio Santarelli Zuliani 2:

Côngruo significa adequado ou suficiente, termo que é utilizado para enaltecer o sentido de equivalência da necessidade com a possibilidade patrimonial do provedor, como esclareceu Pietro Perlingieri ao comentar as obrigações no interesse da família: “No interesse da família é aquela obrigação contraída para satisfazer as necessidades dos componentes do grupo em atuação, consciente ou inconsciente, da direção acordada e isso em forma côngrua à capacidade patrimonial do grupo, com espírito de lealdade (lealtà) e probidade (corretteza) em relação a este último”.

Deste modo, além dos alimentos naturais, essenciais à sobrevivência do indivíduo, há também os alimentos côngruos 3, nos quais se inserem não somente as despesas básicas como também aquelas que mantenham a condição social do alimentante, inclusive as despesas educacionais.

O dever alimentar é tão importante aos olhos do legislador que sua responsabilização foi erigida ao nível de imposição constitucional, a teor do disposto no art. 229 da CF: “Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”.

Dada a clareza do texto constitucional, não restam dúvidas: ninguém pertencerá a uma família impunemente! Ainda que se neguem, o dever de “alimentarem-se” é imposição moral e jurídica, inclusive constitucionalizada.

Eis aqui o princípio da solidariedade familiar como salvaguarda da proteção da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III). A propósito, as palavras de Paulo Luiz Netto Lobo 4:

Emergem da Constituição brasileira os seguintes princípios aplicáveis ao Direito de Família: a) Princípios fundamentais: I – Dignidade da pessoa humana; II – Solidariedade familiar; b) Princípios gerais: III – Igualdade; IV – Liberdade; V – Afetividade; VI – Convivência familiar; VII – Melhor interesse da criança […]. Assim, podemos afirmar que o princípio da solidariedade é um dos grandes marcos paradigmáticos que caracterizam a transformação do Estado liberal e individualista, em Estado democrático e social (por alguns denominado Estado Solidário), com suas vicissitudes e desafios, que o conturbado século XX nos legou. É superação do individualismo jurídico pela função social dos direitos.

E essa regra é tão rígida que o alimentante deverá pagar os alimentos ainda que o alimentado tenha agido com culpa 5. Curiosamente, o parágrafo único do art. 1.704 do CC dispõe que “se o cônjuge declarado culpado vier a necessitar de alimentos, e não tiver parentes em condições de prestá-los, nem aptidão para o trabalho, o outro cônjuge será obrigado a assegurá-los, fixando o juiz o valor indispensável à sobrevivência”.

Deste modo, ainda que o cônjuge seja adúltero, seviciador, desleal etc., poderá pleitear alimentos se tiver necessidade destes e não houver condição para trabalho e nem haja parentes para manter-lhe.

Os alimentos legais decorrem basicamente do parentesco, do casamento e da união estável. Assim, os parentes em linha reta e os colaterais até o segundo grau 6 devem-se mutuamente alimentos, bem como os cônjuges e os companheiros em caso de separação ou dissolução da união estável.

Serão “devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento” 7.

E, como se sabe, serão fixados sempre quando houver necessidade de quem os pede, conjugada a uma eventual capacidade de serem supridos pelo alimentante. Deveras, a fixação dos valores obedecerá essa equação: “Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada” 8.

E se houver alteração destes vetores da equação, os alimentos poderão ser revistos, nos termos do art. 1.699 do Código Civil: “Se, fixados os alimentos, sobrevier mudança na situação financeira de quem os supre, ou na de quem os recebe, poderá o interessado reclamar ao juiz, conforme as circunstâncias, exoneração, redução ou majoração do encargo”.

2 PROTEÇÃO AO NASCITURO

A redação do art. 2º do Código Civil estabelece: “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”.

Em linhas gerais, uma pessoa somente é apta a ter direitos a partir do nascimento com vida. No entanto, “seus direitos estão salvaguardados desde a concepção”. Antes de nascer, não tem direitos, mas seus direitos são preservados! Será?

O significado etimológico da palavra nascituro é “o que está por nascer”. Conforme Rodolfo Pamplona Filho 9, “é o ente já concebido (onde já ocorreu a fusão dos gametas, a junção do óvulo ao espermatozóide formando o zigoto ou embrião), nidado (implementado nas paredes do útero materno), porém não nascido”.

A natureza jurídica dos direitos dos nascituros, e, principalmente, quais são esses direitos, têm despertada profunda controvérsia doutrinária. No entanto, pensamos: embora não seja considerado pessoa, tem a proteção legal dos seus direitos desde a concepção.

E, nos dizeres de José Carlos Barbosa Moreira 10, quando a legislação determinou que se pusessem a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro, “não há de ter usado impensadamente sem compromisso com a propriedade terminológica, a palavra ‘direitos’. Poderia ter dito interesses; não o fez, preferiu dizer direitos”. E, então, sentencia:

“Direitos” é termo técnico, e em princípio deve ser entendido na acepção técnica; sobre quem o conteste, em todo caso, recairá o ônus da prova […]. Pouco importa, aqui, o modo pelo qual, no plano dogmático, se justificará a atribuição de direitos a alguém que, nos termos da primeira parte do dispositivo, ainda não tem personalidade. É assunto para disquisições teóricas, sem dúvida importante e sedutoras. Seja como for, porém, nenhuma proposta nesse plano poderá minimizar, nem a fortiori desprezar o dado claro e inequívoco do texto legal: é de direitos que se cuida, e não de qualquer outra forma jurídica […] Em suma, no ordenamento brasileiro, seja qual for a explicação dogmática, o nascituro, conquanto ainda não haja adquirido personalidade jurídica, tem direitos; e estes não são apenas os indicados em disposições específicas.

Assim, nos dizeres de Barbosa Moreira, o nascituro já é titular de todo e qualquer direito que lhe seja compatível.

Entre esses direitos extrai-se a proteção à vida, ao ponto da legislação penal punir o crime de aborto com pesadas penas. E essa vida é protegida desde que o óvulo fecundado esteja nidado no útero da mulher.

Fala-se, também, da proteção da dignidade do nascituro. O Superior Tribunal de Justiça concedeu indenização ao nascituro pela morte do pai, igual a dos irmãos já nascidos, ao argumento encantador da Relatora Nancy Andrigui, de que “maior do que a agonia de perder um pai é a angústia de jamais ter podido conhecê-lo” 11.

Conforme João Baptista Herkenhoff 12, quando a cantora mexicana Glória Trevi estava presa na penitenciária da Pampulha, em Brasília, o STF autorizou que fosse transferida para um hospital público do Distrito Federal para que pudesse dar a luz ao seu filho. O fundamento da decisão foi o direito reconhecido ao nascituro de nascer em condições adequadas, preservando-se sua dignidade.

A Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Espírito Santo foi mais além. Uma mãe grávida estava condenada por crime de roubo e entrou no oitavo mês de gestação. Deste modo, impetrou um habeas corpus em nome do nascituro, para ter o filho fora da cadeia. E tendo como pano de fundo a dignidade do nascituro, o Tribunal deferiu a liminar para que a mulher recebesse tratamento adequado e pudesse dar a luz ao filho em condições saudáveis, com atendimento pré e pós-natal.

Por conseguinte, vê-se que cada vez mais há decisões no sentido de se concederem direitos ao nascituro, das mais variadas matizes, não obstante ainda não sejam reconhecidas como pessoas para efeitos civis, na medida em que não detém personalidade jurídica, que somente se adquire com o nascimento com vida.

Neste sentido, Silmara Chinelato e Almeida 13 entende que somente os direitos patrimoniais serão condicionados ao nascimento com vida; os demais, são exercitáveis de plano:

A personalidade do nascituro não é condicional; apenas certos efeitos de certos direitos dependem do nascimento com vida, notadamente os direitos patrimoniais materiais, como a doação e a herança. Nesses casos, o nascimento com vida é elemento do negócio jurídico que diz respeito à sua eficácia total, aperfeiçoando-a.

No mesmo tino, Rodolfo Pamplona 14:

Ademais, diversos outros direitos podem ser identificados no sistema jurídico. Como as relações de parentesco se estabelecem no momento da concepção, o nascituro pode ser reconhecido antes de seu nascimento (art. 1.609, parágrafo único, do CC e art. 26 do ECA). Assim, também o direito do pai, ou da mãe, poder pleitear em nome do nascituro, o reconhecimento de sua paternidade ou maternidade e os direitos que lhe são inerentes.

Da leitura dos arts. 1.621 do CC e 2º do ECA pode-se inferir o direito de adoção do nascituro. Assim, uma vez feita a adoção, necessária será a garantia de um desenvolvimento gestacional sadio, assegurado pela concessão de alimentos até o nascimento com vida. Em caso de falecimento do pai e perda do poder familiar pela mulher grávida, deve-se nomear curador ao que está por nascer para a defesa de seus interesses (art. 1.779 do CC e arts. 877 e 878 do CPC) até o seu nascimento com vida, quando lhe será nomeado tutor (art. 1.728 do CC). Se não houver perda do poder familiar, os direitos do nascituro serão resguardados pelos seus representantes legais – seus pais.

Pode também receber doações (art. 542 do CC) e seus representantes legais podem entrar na posse dos bens doados. Pode ser contemplado em testamento (arts. 1.798 e 1.799 do CC), pois, já concebidos conforme exigência da lei. Assim, o nascimento com vida é condição do direito à herança do nascituro. Em caso de natimorto, não há que se falar em direito sucessório por inexistência do implemento da condição. Por fim, com fulcro no art. 8º do ECA (direito à assistência pré-natal), os adeptos à teoria concepcionista defendem o direito do nascituro a alimentos, controvérsia que ainda não foi objeto de legislação, mas que é pautada na necessária proteção do desenvolvimento gestacional.

Destarte, a doutrina reconhece aos nascituros a titularidade imediata dos direitos de personalidade (como o direito à vida, o direito à proteção pré-natal etc.), com vistas à salvaguarda de sua dignidade. Reconhece-lhes, também, direitos patrimoniais condicionados ao nascimento com vida, como receber doação, ser beneficiado por legado e herança, inclusive com a possibilidade de ser-lhe nomeado curador para a defesa dos seus interesses.

Muito se falava, também, sobre a possibilidade do nascituro pleitear alimentos. E, com o advento da Lei nº 11.804-05.11.08, isso, agora, é realidade jurídica.

3 ALIMENTOS GRAVÍDICOS

Aos 5 de novembro de 2008 entrou em vigor a Lei nº 11.804/2008, que disciplina o direito a alimentos gravídicos e a forma como ele será exercido e dá outras providências.

Nos termos do seu art. 1º, esta lei disciplina o direito de alimentos da mulher gestante e a forma como será exercido.

E esse artigo já merece reflexão. Ao que nos parece, o direito de alimentos da mãe não é o mesmo direito de alimentos do nascituro. São, pois, coisas absolutamente distintas.

Assim, ao nosso sentir, a lei equivocou-se ao atribuir os alimentos à mulher grávida, e não aos nascituros.

E é tão indisfarçável o equívoco que no parágrafo único do art. 6º dispôs-se que, “após o nascimento com vida, os alimentos gravídicos ficam convertidos em pensão alimentícia em favor do menor até que uma das partes solicite a sua revisão”.

Portanto, os alimentos são devidos ao nascituro, e não à mulher, que tem interesse autônomo de pleiteá-los por direito próprio, em que pese o argumento de que a proteção é da atividade gestacional. São, pois, direitos distintos que a lei os confunde. Neste sentido já havia decidido o TJRS:

UNIÃO ESTÁVEL – ALIMENTOS PROVISÓRIOS – EX-COMPANHEIRA E NASCITURO – PROVA – 1. Evidenciada a união estável, a possibilidade econômica do alimentante e a necessidade da ex-companheira, que se encontra desempregada e grávida, é cabível a fixação de alimentos provisórios em favor dela e do nascituro, presumindo-se seja este filho das partes. 2. Os alimentos poderão ser revistos a qualquer tempo, durante o tramitar da ação, seja para reduzir ou majorar, seja até para exonerar o alimentante, bastando que novos elementos de convicção venham aos autos. Recurso provido em parte. (AI 70017520479, Sétima Câmara Cível, Rel. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em 28.03.2007)

E se justificam os alimentos ao nascituro porque é titular do direito à vida, à dignidade e, para sua preservação, faz-se necessário alimentos pela necessidade. A fome não espera.

Na seqüência o art. 2º dispõe, in literis:

Art. 2º Os alimentos de que trata esta lei compreenderão os valores suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes a alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes.

Parágrafo único. Os alimentos de que trata este artigo referem-se à parte das despesas que deverá ser custeada pelo futuro pai, considerando-se a contribuição que também deverá ser dada pela mulher grávida, na proporção dos recursos de ambos.

Nota-se que a preocupação indisfarçável é com a gestação, tanto assim que a lei incluiu no conceito de alimentos as despesas de assistência médica da forma mais ampla possível, inclusive psicológica, além de outras que o juiz julgue necessárias.

4 QUESTÕES PROCESSUAIS

Evidentemente, a ação de alimentos gravídicos inicia-se com uma petição inicial, com a narrativa dos fatos.

Diferentemente da ação de alimentos da Lei nº 5.478, de 25 de julho de 1968, a ação de alimentos gravídicos não exige a prova pré-constituída da paternidade.

Deste modo, “convencido da existência de indícios de paternidade”, o juiz fixa os alimentos.

Trata-se de juízo de cognição superficial, que não denota prova inequívoca. A lei contentou-se com os indícios da paternidade.

Aliás, valeu-se de terminologia muito mais apropriada daquela usada pelo Código Civil. No título que cuida das provas, precisamente no art. 230, o Código fez menção à existência de provas presumidas. Ora, mas presunção não é prova, e sim conclusão de raciocínio. O que se pretendia era a prova indiciária, nomenclatura assumida pela nova lei.

Assim, podem ser deferidos os alimentos gravídicos independentemente de prova pré-constituída da paternidade, em casos em que existam indícios desta paternidade, como nas hipóteses do art. 1.597 do Código Civil 15. Em linhas gerais, quando houver um relacionamento estável entre pessoas de sexo diferente e a mulher engravidar, haverá indício da paternidade do parceiro (quer casado, quer companheiro, quer concubino, quer namorado), e o juiz poderá fixar os alimentos.

Embora não se exija prova pré-constituída da paternidade, é elementar que se faça a prova da gravidez.

Não obstante o veto ao art. 4º da lei, que exigia a instrução da inicial com laudo médico que ateste a gravidez e sua viabilidade, vê-se que o veto deveu-se, apenas, a esta última parte: viabilidade. Por curiosidade, eis o teor do artigo vetado:

Art. 4º Na petição inicial, necessariamente instruída com laudo médico que ateste a gravidez e sua viabilidade, a parte autora indicará as circunstâncias em que a concepção ocorreu e as provas de que dispõe para provar o alegado, apontando, ainda, o suposto pai, sua qualificação e quanto ganha aproximadamente ou os recursos de que dispõe, e exporá suas necessidades. Razões do veto: O dispositivo determina que a autora terá, obrigatoriamente, que juntar à petição inicial laudo sobre a viabilidade da gravidez.

Não há como trazer indícios ao juiz da gravidez se não houver demonstração desta. Assim, vemos como fundamental a prova da gravidez como fator para o deferimento dos alimentos, sobretudo os provisórios, nos termos do art. 6º: “Convencido da existência de indícios da paternidade, o juiz fixará alimentos gravídicos que perdurarão até o nascimento da criança, sopesando as necessidades da parte autora e as possibilidades da parte ré”.

Conquanto seja silente a lei, evidentemente os alimentos poderão e deverão ser fixados liminarmente. Para tanto, o juiz sopesará as necessidades da parte autora e as possibilidades de pagamento da parte ré, fazendo coro ao disposto no art. 1.703 do Código Civil, que dispôs que “para a manutenção dos filhos, os cônjuges separados judicialmente contribuirão na proporção de seus recursos”.

Portanto, não se perca de vista um fato óbvio: a fixação dos alimentos levará em conta, também, as condições financeiras da mãe, pois esta é obrigada a custear os alimentos do seu filho, dentro de suas necessidades.

Após o recebimento da inicial, com ou sem deferimento de liminar, o réu será citado para apresentar defesa em 5 (cinco) dias. Por conseguinte, o procedimento é próprio, diferente daqueles preconizados no Código de Processo Civil e, principalmente, na Lei Especial de Alimentos, embora ambas as legislações se apliquem subsidiariamente (art. 11).

Na redação original da lei havia a previsão de uma audiência de justificação. No entanto, esse artigo com essa previsão foi vetado pelo Presidente da República, sob o argumento de que:

O art. 5º ao estabelecer o procedimento a ser adotado, determina que será obrigatória a designação de audiência de justificação, procedimento que não é obrigatório para nenhuma outra ação de alimentos e que causará retardamento, por vezes, desnecessário para o processo.

Fixado os alimentos e sobrevindo o nascimento do nascituro com vida, os alimentos gravídicos convertem-se em pensão alimentícia em favor do nascido, sendo cabível a revisão alimentícia a qualquer momento.

Na sua defesa, evidentemente, o réu poderá negar a paternidade. Porém, essa negativa não impede a fixação dos alimentos e nem a manutenção do seu pagamento. Deste modo, a procedência do pedido não está condicionada à declaração imediata da paternidade, e tampouco está à mercê da prévia realização de exame de DNA. Relembre-se, a perícia é apenas um elemento de prova necessária sempre que ausente outros elementos comprobatórios da situação jurídica objeto da controvérsia.

5 IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS – IRREPETIBILIDADE DOS ALIMENTOS

Vige no direito alimentar o princípio doutrinário da irrepetibilidade dos alimentos, que não agasalha a hipótese do credor dos alimentos vir a ser compelido a devolver as parcelas percebidas por força de decisão judicial.

Conforme Maria Berenice Dias 16:

Como os alimentos servem para garantir a vida e se destinam à aquisição de bens de consumo para assegurar a sobrevivência é inimaginável pretender que sejam devolvidos. Esta verdade é tão evidente que até é difícil sustentá-la. Não há como argumentar o óbvio. Provavelmente por esta lógica ser inquestionável é que o legislador sequer preocupou-se em inseri-la na lei. Daí que o princípio da irrepetibilidade é por todos aceito mesmo não constando do ordenamento jurídico.

No entanto, há cada vez mais vozes contrárias a esta tese. Em 2002, o Ministério Público Federal realizou concurso e trouxe uma questão sobre alimentos, cuja resposta dizia que os alimentos pagos a maiores são repetíveis.

Aliene Pasquero Lima, no texto Reflexões sobre os alimentos 17, defende a tese de que se houver execução provisória e reforma da decisão, os alimentos são repetíveis. Pede, inclusive, que seja revisto o efeito que se recebe o recurso.

E no caso dos alimentos gravídicos, a possibilidade de serem condenados homens que não sejam os verdadeiros pais é muito mais presente, posto que, como visto, a lei não exige a prova pré-constituída da paternidade.

A redação primitiva da lei dispunha sobre a possibilidade de se indenizar o réu em caso de má-fé: “Art. 10. Em caso de resultado negativo do exame pericial de paternidade, o autor responderá, objetivamente, pelos danos materiais e morais causados ao réu. Parágrafo único. A indenização será liquidada nos próprios autos”.

Houve veto presidencial, sob o seguinte argumento:

Trata-se de norma intimidadora, pois cria hipótese de responsabilidade objetiva pelo simples fato de se ingressar em juízo e não obter êxito. O dispositivo pressupõe que o simples exercício do direito de ação pode causar dano a terceiros, impondo ao autor o dever de indenizar, independentemente da existência de culpa, medida que atenta contra o livre exercício do direito de ação.

Assim, em uma afirmação açodada, poderíamos concluir que não existe a possibilidade de repetibilidade dos alimentos, e tampouco a plausibilidade de indenizar o réu pelos prejuízos que se lhe causem. Porém, veja-se o argumento de Marcelo Truzzi:

O Código não compadece com a má-fé (art. 110), reprime o exercício abusivo de um direito (art. 187), pune a postura desleal (art. 422), mesmo que o negócio jurídico, em seu aspecto formal, esteja revestido das formalidades legais. Se uma das partes celebrou um contrato com reserva mental, este ato, mais que uma violação ao art. 110 do Código, contraria o princípio ético norteador das condutas humanas imposto pela nova lei. Essa mudança de postura principiológica do Código de 2002 é que nos conduz a repensar a irrepetibilidade dos alimentos, quando o alimentado houver agido com dolo, má-fé ou abuso de direito.

Deste modo, através de ação própria o réu da ação de alimentos poderá pleitear indenização contra a mãe que promover o pedido de alimentos gravídicos, se ficar demonstrada a má-fé ou o exercício abusivo do seu direito.

6 TERMO INICIAL DOS ALIMENTOS

A lei não resolveu a partir de quando os alimentos fixados serão devidos. Uma vez que se trata de pedido condenatório, pareceria evidente que o termo inicial seria a citação do réu, a teor do disposto no art. 219 do CPC.

Contudo, o art. 9º 18, que dispunha exatamente isto, foi vetado ao argumento de que:

Razões do veto: “O art. 9º prevê que os alimentos serão devidos desde a data da citação do réu. Ocorre que a prática judiciária revela que o ato citatório nem sempre pode ser realizado com a velocidade que se espera e nem mesmo com a urgência que o pedido de alimentos requer. Determinar que os alimentos gravídicos sejam devidos a partir da citação do réu é condená-lo, desde já, à não-existência, uma vez que a demora pode ser causada pelo próprio réu, por meio de manobras que visam impedir o ato citatório. Dessa forma, o auxílio financeiro devido à gestante teria início no final da gravidez, ou até mesmo após o nascimento da criança, o que tornaria o dispositivo carente de efetividade”.

Ora, se o artigo foi vetado, era intenção do legislador que a sua regra não fosse aplicável. Assim, ao nosso pensar, resta concluir que os alimentos, aqui, serão devidos desde a concepção do nascituro, em que pese a excepcionalidade que isso causará nas regras da retroatividade ex tunc até a data da citação dos pedidos condenatórios.

Imaginemos que o juiz fixou os alimentos gravídicos. A criança nasce, e os alimentos se convertem em favor desta. Note-se que nesta situação os alimentos perdurarão, não obstante sequer se tenha discutido a paternidade em ação própria.

Deste modo, a Súmula nº 277 do STJ merece reanálise. Ela determina: “Julgada procedente a investigação de paternidade, os alimentos são devidos a partir da citação”.

Contudo, doravante, se fixados os alimentos gravídicos, sobrevindo a ação de investigação de paternidade, os alimentos já estarão fixados e serão devidos desde a concepção do nascituro, e não mais a partir da citação da investigatória.

A súmula só valerá quando inexistir fixação prévia de alimentos gravídicos.

Outrossim, caso o devedor de alimentos queira se insurgir contra esse pagamento, deverá promover ação negatória de paternidade, caso não tenha havido a propositura da ação investigatória.

Consigne-se que ao titular de alimentos gravídicos não se impôs prazo para o ajuizamento da investigatória de paternidade.

Portanto, se o credor não tiver promovido a investigatória, caberá ao devedor alimentício promover a negatória de paternidade, com vistas à exoneração do encargo alimentar.

De outra banda, se não houver o ajuizamento da investigatória de paternidade, a presunção prevista na Lei dos Alimentos Gravídicos valerá apenas e tão-somente para efeitos alimentícios, não se estendendo a nenhuma outra relação jurídica, sobretudo questões de formação de parentesco e hereditárias.

7 FORO COMPETENTE

Havia previsão na lei para fixar-se o foro competente como aquele do presumível pai. No entanto, o art. 3º, que isso dispunha, foi vetado pelo Presidente da República, sob o incensurável discurso de que:

O artigo em questão desconsiderou a especial condição da gestante e atribuiu a ela o ônus de ajuizar a ação de alimentos gravídicos na sede do domicílio do réu, que nenhuma condição especial vivencia, o que contraria diversos diplomas normativos que dispõem sobre a fixação da competência.

Assim, continua a regra prevista na Súmula nº 1 do STJ: “O foro do domicílio ou da residência do alimentando é o competente para a ação de investigação de paternidade, quando cumulada com a de alimentos”.

8 EXECUÇÃO

A execução de alimentos seguirá o rito previsto nos arts. 732 a 735 do Código de Processo Civil. Aqui não houve nenhuma alteração, de modo que se dispensam momentâneos comentários.

9 ALIMENTOS GRAVÍDICOS AVOENGOS

Determina o art. 1.689 do Código Civil:

Art. 1.698. Se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide.

Sendo assim, se o pai não puder pagar os alimentos devidos aos filhos, os avós serão chamados a suportar os encargos e, na falta ou no impedimento destes, os parentes até o segundo grau.

A responsabilidade dos parentes será subsidiária, pois serão convocados apenas se o devedor primitivo (no caso o pai) não tiver condição de sustentar a obrigação. Por conseguinte, cabe aos avós apenas suplementar a pensão devida pelos filhos aos seus netos, subsidiariamente e não solidariamente. Trata-se, ademais, de obrigação divisível, razão pela qual todos os avós deverão assumir as suas responsabilidades nas proporções de suas condições.

Nos avós recairá a obrigação enquanto perdurar a situação de incapacidade econômica dos pais, ante a extensão da reciprocidade prevista no art. 1.698 do Código Civil.

E essa regra, parece-nos, aplica-se igualmente aos alimentos gravídicos. É bem verdade que a Lei dos Alimentos Gravídicos, no art. 2º, parágrafo único, disse que os alimentos seriam custeados pelo pai. Entretanto, a regra do art. 1.698 do Código Civil não está afastada. Logo, é perfeitamente aplicável.

Exatamente por isso o credor dos alimentos gravídicos deverá demonstrar a incapacidade financeira do pai 19. Se o fizer, os avós poderão ser chamados a custear suplementarmente os alimentos devidos ao nascituro.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Lei dos Alimentos Gravídicos veio em boníssima hora, consolidando uma tese já defendida pela doutrina e, eventualmente, pela jurisprudência.

De fato, a gestação é um momento primordial da formação do ser humano, e a eventual deficiência alimentícia neste estágio da vida ocasiona seqüelas invariavelmente irreversíveis.

A flexibilização em se deferir alimentos sem prova pré-constituída da paternidade, ancorando-se somente em indícios, foi fundamental para a maturação da proposta legislativa.

A prática forense apontará desdobramentos bastante interessantes e reveladores dos meandros ocultos desta lei, que ainda não pudemos vislumbrar. Aguardemo-la ansiosamente!

REFERÊNCIAS

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Fonte: http://www.iob.com.br/bibliotecadigitalderevistas/bdr.dll/RDF/6486/9be8/9c44/9c45/9c46?f=templates&fn=altmain-nf.htm&q=Alimentos%20grav%EDdicos&x=Simple&2.0#LPHit1

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