Falar com o juiz – Paulo Evandro de Siqueira

Tornou-se lugar comum entre os advogados %u2014 e até mesmo na cultura popular e principalmente daqueles que são partes em processos judiciais %u2014 a expressão %u201Cfalar com o juiz%u201D. Geralmente é usada por partes que indagam ao seu patrono se %u201CO Sr. já falou com o juiz sobre o meu processo?%u201D ou se sobre ele %u201CO Sr. vai falar com o juiz?%u201D, como se importante para suas defesas o advogado devesse falar com o juiz e não a petição que elaborou, com narração dos fatos e fundamentos jurídicos, citações doutrinárias e jurisprudenciais, ensejando subsídios ao julgador para que profira sentença favorável ao seu cliente.

Na concepção popular ouve-se às vezes a reclamação do litigante que perdeu a causa porque seu advogado foi relapso por não haver falado com o juiz (aqui compreendidos os juízes, desembargadores e ministros dos tribunais superiores %u2014 aliás, todos os integrantes de qualquer tribunal deveriam ter a denominação de juiz, mas este é outro tema a ser tratado oportunamente) sobre aquelas questões que elaborou em exaustiva ou sintética petição (as sintéticas produzem resultados mais satisfatórios, pois facilitam a leitura pelo magistrado sem que perca tempo com a leitura de períodos longos e citações jurisprudenciais e doutrinárias repetitivas).

O Estatuto da Advocacia assegura ao advogado ser recebido pelo juiz, cujo objetivo é expor as considerações do processo e ser recebido em gabinete sem designação de horário (art. 7º, inciso VIII). Nada mais justo e coerente, mas o advogado é quem deve saber o momento preciso para falar com o juiz e expor determinada questão em que realmente houvesse um equívoco do magistrado em uma decisão %u2014 e. g. concessão de uma liminar em que não foi observado determinado requisito para seu deferimento e que está causando dano de difícil reparação à parte que sofre suas consequências %u2014 ou que foi intencional ou equivocadamente apresentada pela contra-parte uma prova não condizente com a realidade, tudo com o objetivo de evitar um malefício para seu constituinte.

O advogado que, sob o pálio da legislação supra, diante de todo despacho ou decisão vai falar com o juiz, ao invés de peticionar ou recorrer, perde seu tempo e o do magistrado. Despachos, decisões ou sentenças são recorríveis ou irrecorríveis. Ou o advogado, representando a parte, recorre ou não recorre. Falar com o juiz e tentar convencê-lo verbalmente a mudar sua decisão, já proferida, é uma afronta à sua capacidade intelectual e funcional do exercício jurisdicional e perda de tempo.

Mas, infelizmente, é o que mais se vê nos foros. Mais e mais advogados nas salas dos juízes explicitando questões já decididas ou pretensivas de concessão de decisões (aqui aplicado em sentido amplo, tais como despachos de meros expedientes, decisões interlocutórias ou sentenças), quando deveriam sim peticionar e protocolizar o que escreveram e quando muito solicitar uma agilização do andamento processual, em razão dos inúmeros processos que abarrotam as prateleiras dos fóruns e aguardar que o magistrado as leia. Se não as ler, cabem os embargos declaratórios para que as aprecie por inteiro, forçando a devida prestação jurisdicional.

Cabe ao advogado saber quais as circunstâncias que o levarão a visitar o gabinete do juiz. Caso contrário, ficará desacreditado e quando realmente a questão for relevante, danosa ao seu cliente, de tanto frequentar o gabinete do juiz com pedidos simplórios não verá seu pleito atendido porque sua credibilidade estará contaminada.

Inclusive há advogados que dizem %u201Cvou despachar com o juiz%u201D. Certamente sentará ao lado do magistrado e o ajudará a despachar aquelas pilhas de processos! Agora, porém, os juízes também não devem criar empecilhos aos advogados que pretendam uma %u201Caudiência%u201D, designando horário marcado ou instruindo seus secretários (servidores do gabinete) a barrar de toda maneira os causídicos, até mesmo mentindo, ora dizendo que o magistrado está ocupado (ocupado sempre está), ou que não está no gabinete, quando na verdade está, pois estarão os servidores incorrendo, dessa forma, em infração disciplinar, passível de apuração pela Corregedoria Geral de Justiça, por impedir o profissional do direito de exercer com toda plenitude seu mister.

Se o pleito verbal do advogado, representando o cliente, é cabível ou não, aqui há de se deixar claro que compete ao magistrado ouvi-lo primeiro, para depois deferir ou não a petição que anteriormente fora protocolizada, mas não de chofre criar obstáculos a recebê-lo. Não tem pretensão este artigo de estimular os juízes a não receberem os advogados e sim deixar extreme de dúvidas que devem %u2014 os advogados %u2014 evitar falar com os magistrados sem necessidade, quando uma petição poderá ser apreciada normalmente, com o atendimento ou não do pleito de seus clientes. Se o caso realmente depende de esclarecimento verbal do causídico, o magistrado tem o dever de recebê-lo e ouvir suas explicitações.

Publicado no Correio Braziliense em 23 de maio de 2011 no caderno Direito&Justiça.

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