Divórcio – Las Vegas é aqui! – Marco Túlio Murano Garcia

É muito comum, nos filmes americanos, vermos aqueles casamentos a jato de Las Vegas, onde é possível se casar rapidamente e pôr fim ao casamento mais rápido ainda.

Agora não é mais preciso ir a Las Vegas, uma vez que por aqui também já se pode casar num dia e dissolver o casamento no outro, ou quem sabe ainda no mesmo dia, se o casamento for realizado pela manhã e dissolvido a tarde.

Parece ficção, mas não está nenhum um pouco longe da realidade.

Com a entrada em vigor da emenda constitucional 66, que alterou o art. 226, § 6º, da CF, o divórcio pode ser efetivado logo após o casamento, sem qualquer requisito especial, sem o preenchimento de prazo ou prévia separação.

Realmente, até então, o divórcio, que põe fim a todos os efeitos do casamento, especialmente o denominado vínculo conjugal, que impede a realização de novo casamento, só era possível em duas hipóteses um pouco burocráticas, que exigiam certo tempo de separação, 1 (um) ano de separação judicial para a conversão desta separação em divórcio ou 2 (dois) anos de separação de fato para o divórcio direto, daí que o casal, forçosamente, era obrigado a aguardar por certo tempo para poder dissolver o casamento. Devendo ser observado que se a separação fosse consensual, ela não poderia se realizar senão depois de 1 (um) ano de casamento, período imposto pela lei como uma espécie de tempo reflexão ou “cantinho da disciplina”, para usar uma expressão da Super Nani, que o casal era obrigado a aguardar.

Agora, todavia, o único requisito para o divórcio, depois da emenda 66, é o fato de ser casado, inexistindo qualquer prazo mínimo de separação de fato ou de separação judicial, que, em verdade, foi varrida da nossa realidade jurídica. Desde que o casal seja casado, portanto, pouco importando há quanto tempo, se 1 (um) ano, 1 (um) dia ou mesmo 1 (uma) hora, para os mais apressados, já é possível o divórcio, que pode ser consensual ou litigioso.

Se o casal resolver se divorciar consensualmente, então, não tendo filhos menores ou incapazes, o divórcio pode ser realizado em cartório, por escritura pública, o que se faz com relativa facilidade e em pouquíssimo tempo, daí porque é lícito concluir que o casal pode se casar e se divorciar no mesmo dia, sem exageros.

Em se tratando de divórcio litigioso, que de litigioso terá muito pouco, eis que nada poderá alegar o cônjuge que não quiser se divorciar, a não ser que alegue, por exemplo, que nunca foi casado com o requerente, o processo poderá durar um pouco mais, cerca de 30 (trinta) a 40 (quarenta) dias, quem sabe, que é o tempo necessário para que o juiz cite o requerido, aguarde a defesa e profira a sentença.

A grande verdade é que se divorciar ficou muito mais fácil e rápido do que se casar!

De fato, para se casar as formalidades são maiores, sendo obrigatório o processo de habilitação com a publicação de proclamas para eventual argüição de impedimento matrimonial. Já para se divorciar nenhum requisito é exigido, bastando que o casal vá ao cartório, munido da certidão de casamento e se divorcie, se for consensual.

Aliás, a exigência de habilitação para o casamento e publicação de proclamas é o único impediente para que os casais se casem hoje, se divorciem amanhã e se casem novamente depois de amanhã. Não fosse o processo de habilitação para o novo casamento e isso seria possível. Se divorciar ficou mais fácil que se casar.

Interessante ponderar que o divórcio não exige que se faça partilha de bens, que se resolva questão de alimentos e muito menos guarda de filhos. No divórcio consensual, por escritura pública, até que se pode discutir tal exigência ante o teor das normas que o autorizam e falam em escritura que disponha também sobre estes temas. Mas no divórcio judicial nenhuma destas questões tem que ser resolvidas, tendo sido idéia do legislador simplificar o divórcio.

Estas questões, partilha de bens, alimentos e guarda de filhos serão decididas em ação ou ações próprias, de alimentos, de partilha, de guarda e regulamentação de visitas.

Todavia, aqueles que tiverem se divorciado sem promover a partilha de bens, muito embora possam até vir a se casar novamente, antes de realizada a partilha, serão obrigados, forçosamente, a adotar o regime da separação de bens, pelo menos até que concluam a partilha, para que não haja confusão entre o patrimônio de um e de outro casamento, ficando o regime eleito sob condição suspensiva, passando a vigorar apenas após a partilha dos bens do casamento anterior.

A idéia que animou a mudança foi a de desvincular o fim do casamento de qualquer motivação culposa ou objetiva, sendo certo que se o casal, quando se casa, casa por amor e não precisa explicar porque está casando, quando se divorciar, doravante, também não terá que declinar motivo, presumindo-se que se divorcia porque acabou o amor, ou porque pretende viver outro amor, razão pela qual a PEC do Divórcio, como era chamada a proposta de emenda constitucional 28, que acabou resultando na emenda 66, ficou conhecida como “PEC do Amor”.

A discussão de culpa pelo fim do casamento, por hora, ainda continuará existindo, posto que tem relevância ou influência, por exemplo, na questão dos alimentos. Mas a tendência é que deixe de ter qualquer importância no direito de família.

Sociologicamente, a emenda 66 e a abertura que deu ao divórcio e, por conseguinte, ao fim do casamento, tem sofrido algumas críticas, entendendo alguns que ela seria um atentado contra o casamento, ao facilitar sua dissolução.

Mas talvez não seja bem assim que as coisas se passem, não sendo possível culpar a possibilidade do divórcio pela quantidade de casamentos que se desfazem. Não é a possibilidade de se divorciar que faz com que as pessoas se divorciem, cuidando-se de questão um pouco mais complexa do que a simples abertura para o divórcio.

Culpar o acesso simplificado ao divórcio pela falência do casamento é o mesmo que culpar a invenção do avião pela sua utilização também como arma de guerra, numa inversão equivocada entre causa e efeito, como se inexistente a possibilidade de divórcio regulamentar, os casamentos não seriam irregularmente desfeito, como já foram no passado, pela anômala separação de fato, ou, de igual forma, querendo crer que sem o avião o homem não teria guerreado.

O casamento tem que ser espaço de amor, de felicidade, de companheirismo, atentando contra tais princípios forçar duas pessoas a permanecerem casadas quando o casamento já não é mais ambiente de amor, felicidade e companheirismo.

Do ponto de vista jurídico, isto sim, a amplitude que se deu ao divórcio e sua concretização pode trazer alguma instabilidade, especificamente na questão patrimonial e negocial, posto que a circunstância de ser casado ou divorciado pode trazer conseqüências jurídicas nas relações contratuais e negociais que os cônjuges mantenham com terceiros, dando margem a possibilidade de fraudes prejudiciais a segurança jurídica.

A tal ponto que tenho para mim que a exemplo do que ocorre com o processo de habilitação de casamento, onde é exigida a publicação de proclamas, talvez fosse aconselhável que os divorciandos tivessem que publicar proclamas ou editais para dar conhecimento ao público em geral sobre seu divórcio, informando inclusive se foi realizada a concomitante partilha de bens ou não.

De resto nenhuma crítica pode ser feita ao novo divórcio, que representa um novo tempo para o casamento, que se consolidará cada vez mais como espaço de felicidade, de amor, de comunhão, de cumplicidade, escolha de vida e não imposição.

Tudo sintetizado na poesia de Cássia Eller:

Se lembra quando a gente chegou um dia a acreditar
Que tudo era pra sempre, sem saber, que o pra sempre
Sempre acaba…

Mas nada vai conseguir mudar o que ficou
Quando penso em alguém só penso em você
E aí, então, estamos bem…

Mesmo com tantos motivos pra deixar tudo como está
Nem desistir, nem tentar agora tanto faz
Estamos indo de volta pra casa…

Que seja infinito enquanto dure, e que dure para sempre, ainda que o pra sempre possa acabar em divórcio!

Marco Túlio Murano Garcia – Vice-Presidente Estadual do IBDFAM em Mato Grosso do Sul. Advogado. Diretor do EDCG – Escola de Direito de Campo Grande-MS.

Fonte: http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=645

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