Alimentos – Dos Alimentos Gravídicos – Lei nº 11.804/2008 (Antônio Cezar Lima da Fonseca)

SUMÁRIO: Introdução; 1 Dos alimentos gravídicos; 2 Termo inicial; 3 A prova; 4 Procedimento; Conclusão.

INTRODUÇÃO

A complexidade da disciplina jurídica dos alimentos refoge ao entendimento comum, e engana-se aquele que diz tratar-se de matéria simplória ou sem maior importância. Como bem advertiu Yussef Cahali 1, seus princípios são de “acentuada complexidade, com reclamo de permanente atualização de seus estudos”.

É isso o que nos propõe a recente Lei nº 11.804, de 05.11.2008, pois havíamos perdido na lembrança – para não dizer que jamais analisamos – as vezes em que tivemos em mãos um pedido de alimentos para o nascituro. No entanto, como advertiu Sérgio Gischkow Pereira 2, “cogita-se de tema de grande importância teórica e prática”.

Isso porque os alimentos, no mais das vezes, são gestionados para (por) filhos já nascidos e/ou crescidos, seja em sede de ação de alimentos, cautelares ou não, em separações judiciais, em oferta de alimentos ou investigatórias de paternidade. Diante do largo contexto da discussão alimentar, pouco se doutrinou sobre os alimentos para o nascituro. A rigor, a própria proteção jurídica do nascituro era “tema pouco tratado ente nós” 3. Agora, a Lei nº 11.804/2008 dispõe acerca de verba alimentar ao nascituro, nominando-a de “alimentos gravídicos”, disciplinando o direito da mulher gestante e a forma como será exercido (art. 1º). Esse valor de alimentos gerenciados pela mulher grávida, de forma direta e indireta, dirá respeito à subsistência do futuro filho, o que certamente trará imensa polêmica e algumas injustiças. É sobre essa lei que teceremos algumas considerações.

1 DOS ALIMENTOS GRAVÍDICOS

Segundo as lições de Pontes de Miranda 4, a palavra alimentos tem duas acepções: 1) comum, que é aquilo que serve à subsistência animal; e 2) jurídica ou técnica, quando “compreendem tudo que é necessário ao sustento, à habitação, à roupa, ao tratamento de moléstias e, se o alimentário é menor, às despesas de criação e educação”. Assim, exatamente porque a expressão alimentos, na linguagem jurídica, “tem um sentido mais lato do que o vigorante na linguagem comum” 5, é que a Lei nº 11.804/2008 houve por bem esclarecer o que é e em que consistem os alimentos gravídicos ou alimentos ao nascituro.

Na verdade, a lei, a doutrina e a jurisprudência eram incertas sob a disciplina legislativa anterior, relativamente aos alimentos ao nascituro, porque a pretensão vinha ligada ao tema acerca do início da personalidade civil. No Rio Grande do Sul, igualmente, vacilava a jurisprudência:

Agravo de instrumento. Alimentos provisórios. Nascituro. Estando o feito no seu início, sem que contenha dados seguros acerca tanto da alegada união estável entretida entre as partes, inviável a fixação de alimentos provisórios ao nascituro, ao menos, por ora. Necessidade de ver angularizada a relação processual. Agravo de instrumento desprovido. (AI 70024548323, Rel. Des. Claudir Fidelis Faccenda, 29.05.2008)

Todavia, desde o século passado já haviam decisões favoráveis:

Agravo de instrumento. Alimentos provisórios. Despesas com nascituro. As despesas pré-natais com o nascituro podem sustentar a fixação de alimentos provisórios. Prova dos autos. A prova dos autos em seu conjunto afirmam a certeza do despacho judicial, não só quanto a condenação como ao valor fixado. Agravo improvido. (AI 596067629, Rel. Des. Tupinambá Miguel Castro do Nascimento, 17.07.1996)

Resumindo a discussão e colacionando acórdãos, Yussef Cahali 6 afirmou ser “inviável a ação direta do nascituro havido fora do casamento contra o indigitado pai, antes do seu nascimento com vida”. Todavia, parte da doutrina entendia que “a obrigação alimentar pode começar antes do nascimento e depois da concepção” 7, ou que, mesmo antes do nascimento, na fase de gestação 8, poderiam os nascituros ser beneficiários de alimentos. Segundo Arnaldo Rizzardo 9:

Durante a gravidez, inúmeras as situações que comportam a assistência econômica do pai. Assim, o tratamento ou acompanhamento médico; a conduta de repouso absoluto imposto à mãe em muitos casos de gravidez de risco; os constantes exames médicos e medicamentos; o tipo de alimentação que deve seguir a gestante; a sua própria subsistência se for obrigada a se afastar do trabalho remunerado que exercia.

No mesmo sentido, a lição de Silmara J. A. Chinelato e Almeida, ainda na década de 90 10. Não sabendo a extensão do quantum dessa verba alimentar, nem seus parâmetros, raramente aquele direito era utilizado. O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990), por sua vez, que poderia acertar definitivamente a questão dos alimentos ao nascituro, colaborou para a imprecisão, dispondo que “incumbe ao Poder Público propiciar apoio alimentar à gestante e à nutriz que dele necessitem” (art. 8º, § 3º).

Dessa forma, as incertezas sobre os alimentos ao nascituro residiam na opção do aplicador da lei por uma das três correntes no tocante ao início da personalidade. São elas: a) teoria natalista, que atribui o início da personalidade ao nascimento com vida, prevista na primeira parte do art. 2º, CC/2002; b) teoria concepcionista, pela qual a personalidade começa da concepção e não do nascimento com vida; e c) teoria concepcionista condicionada ou da personalidade condicional, que reconhece a personalidade desde a concepção se a criança nascer com vida 11. Como resumiu Márcio Martins Moreira 12: uma corrente entendendo que o nascituro “é uma expectativa de pessoa e a sua personalidade terá início com o nascimento com vida”; “uma segunda corrente, que confere personalidade ao nascituro desde a concepção, e uma terceira, que adere à segunda, mas condicionando o nascimento com vida”. As três teorias ou correntes têm seus defensores à luz no vigente Código Civil, mas parece-nos que, findando essa “indecisão”, a Lei nº 11.804/2008 denominou alimentos gravídicos aos valores destinados a cobrir as despesas “da concepção ao parto” (art. 2º), adotando claramente a teoria da concepção ou concepcionista.

Gravídico é adjetivo, é aquilo que diz respeito à gravidez; ou que é dependente da gravidez, sendo esta o estado da mulher durante a gestação ou prenhez. Nascituro é o ser que está sendo gerado pela gestante, “o que irá nascer, o feto durante a gestação” 13; “o ente concebido que está no claustro materno”, como diz José Carlos Teixeira Giorgis 14. Alimentos gravídicos são alimentos destinados à mulher gestante (art. 1º) e têm sua previsão expressa na lei, considerados como valores suficientes para cobrir alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas (art. 2º, caput). Justificam-se, porque todo o ambiente propício para evoluir com normalidade o ser concebido deve assegurar-se à mãe 15. Certamente, ditos alimentos acirrarão ainda mais a discussão acerca do quantum a ser fixado de verba alimentar, porque serão gerenciados e destinados à gestante e, por ela, ao nascituro. À gestante, pois é a primeira garantidora do nascimento com vida: é a futura mamãe quem realiza os exames médicos, quem adquire o enxoval, ingere medicamentos e zela verdadeiramente pelo ser que traz em seu ventre. Os alimentos gravídicos apontam à paternidade responsável, pois “referem-se à parte das despesas que deverá ser custeada pelo futuro pai”. Ou seja, não ensejam unicamente a responsabilidade do indigitado pai, uma vez que, para sua fixação, há de ser aferida a “contribuição que deverá ser dada pela mulher grávida” e “na proporção do recurso de ambos” (art. 2º, parágrafo único), “sopesando as necessidades da parte autora e as possibilidades da parte ré” (art. 6º, segunda parte). Enfim, ditos alimentos devem ser estabelecidos tendo em vista que “os alimentos em favor do nascituro devem ter percentual mais elevado” 16.

2 TERMO INICIAL

Com relação ao seu início, há dúvida sobre qual seria o termo inicial dos alimentos gravídicos, ou desde quando podem ser exigidos? Isso porque foi vetado o art. 9º da Lei nº 11.804/2008, o qual dispunha que “os alimentos serão devidos desde a data da citação do réu”, disposição similar existente na Lei de Alimentos (art. 13, § 2º, Lei nº 5.478/1968). Levada aos alimentos gravídicos, a regra seria um desastre, conferindo certeza às razões do veto, pois o ato citatório nem sempre pode ser realizado com a velocidade que se espera e nem mesmo com a urgência que o pedido de alimentos requer. Determinar que os alimentos gravídicos sejam devidos a partir da citação do réu é condená-lo, desde já, à não-existência, uma vez que a demora pode ser causada pelo próprio réu.

Destarte, adotada pela nova lei a teoria da concepção (art. 2º), pensamos que a partir desta é que podem ser exigidos os alimentos. Para tanto, desimporta que o nascituro seja fruto de relações extra matrimonium, porque não há nenhuma exigência legal em tal sentido. Embora isso, outras questões com relação ao direito de alimentos passarão a advir: Os alimentos retroagirão à concepção mesmo depois do nascimento do filho? Quem fixará o termo inicial da concepção?

Os alimentos gravídicos passam a vigorar a partir da concepção, mas, para aferirmos a data exata da concepção, devemos responder: Quando começa a vida? Luiza Thereza Baptista de Mattos 17 afirma que a “resposta tem de ser dada pelo biólogo, cabendo ao jurista dar-lhe o enquadramento legal”. Diante disso, teremos de perquirir a presença do estado gravídico, pois a partir deste é que teremos acertada a data da concepção.

Após descrever como se dá a fecundação (fertilização ou concepção), Silmara J. A. Chinelato e Almeida 18 refere que já no sexto dia da fecundação dá-se o fenômeno da implantação ou nidação, pelo qual “têm início as transformações hormonais no organismo feminino que determinam o estado gravídico”. Desde que fixado o óvulo no útero pela nidação, diz Márcio Martins Moreira 19, a composição cromossômica de 46 genes já está formada, abrindo-se a possibilidade de detecção da gravidez após 10 dias da fertilização. Por esse raciocínio, a partir da constatação do estado gravídico, pelo 10º dia, a mulher estará habilitada juridicamente a postular alimentos gravídicos em nome do nascituro; e a partir dessa data é que os alimentos serão devidos pelo apontado pai. Não sendo assim, corre-se o risco de a lei esvaziar-se na sua finalidade prática de destinar alimentos ao nascituro.

Os alimentos gravídicos dizem respeito ao período da gravidez e se destina da concepção ao parto, consoante o art. 2º da nova lei. Evidentemente, a demora em seu pagamento determinará a exigência (execução) retroativa à data da concepção, porque foram despesas adiantadas pela gestante e que são de responsabilidade de ambos os pais. Certamente, será pelo atestado médico (ou prova pericial) que o juiz terá a prova pré-constituída do estado gravídico, independente de qualquer exigência de outros laudos sobre “viabilidade da gravidez”. A biologia e a medicina determinarão o rumo da atuação judicial a respeito do deferimento dos alimentos gravídicos. Dessa forma, mesmo que deferidos posteriormente, por qualquer razão, os alimentos gravídicos serão devidos desde a data em que foi identificado o estado gravídico. Se é verdade que a medicina firmará a data da concepção, pois é “na medicina que o direito vai buscar subsídios para saber se a pessoa nasceu viva” 20, haverá largo espaço para a discussão pericial. Isso ocorrerá desde que assegurados provisoriamente os alimentos à futura criança. Com os alimentos provisórios já fixados, o suposto e apontado pai poderá discutir a paternidade pela forma pericial em DNA, pois estará assegurada a subsistência e dignidade ao nascituro.

3 A PROVA

Os litígios que dizem respeito aos alimentos gravídicos versam sobre os direitos indisponíveis, nos quais “cessa a preponderância do interesse das partes, para predominarem os imperativos legais e os interesses de ordem pública” 21. Assim, necessária e obrigatória a intervenção ministerial nesses processos, sendo que “a pesquisa da verdade por meio da prova independerá da vontade das partes” 22.

Para o deferimento dos alimentos gravídicos, provisórios ou definitivos, a lei determina ao juiz que se contente com a existência de “indícios de paternidade” (art. 6º, caput). Com a palavra “indícios”, o legislador não foi muito técnico, porque os civilistas preferem “presunções”, enquanto os criminalistas é que usam a expressão “indício”. De qualquer sorte, “indícios, presunções e circunstâncias têm o mesmo significado, a mesma natureza jurídica, representam o mesmo tipo de prova, apenas usados em campos diversos” 23. O indício, dizia Câmara Leal citado por Moacyr Amaral Santos 24, “é o fato conhecido do qual, em virtude do princípio da causalidade, se induz o fato desconhecido, ao qual se atribui a função de causa ou efeito em relação ao fato conhecido”. Nas lições de Eduardo Cambi 25, “o indício é elemento probatório indiretamente representativo”, pois são fatos secundários que servem de pressupostos das presunções ou fonte das presunções, já que, a partir deles, podem ser deduzidos os efeitos jurídicos dos fatos principais, que são diretamente relevantes para o julgamento da causa.

Evidentemente, os indícios devem ser apreendidos pelo juiz de forma prudente e responsável, porque, por meios de prova indiciária (presunções), a lei possibilita até a imposição de prejuízos irreparáveis para uma pessoa, seja sob o plano moral, seja pelo material ou econômico. Uma imputação de paternidade indevida, v.g., poderá destruir casamentos e uniões estáveis, bem como possibilitar o desembolso de quantia alimentar muitas vezes irrecuperável. Isso quando não pela possibilidade de enviar o devedor de alimentos à prisão civil. Assim, a análise das alegações da parte (acerca dos indícios) exigirá prudência do juiz, tendo em vista que este apreciará os fatos segundo as regras do livre convencimento (art. 131, CPC) e que “a decisão do juiz se apoiará, sempre, na verdade processual” 26. Afirmou Silmara Chinelato 27: “Deve o autor da ação fundar-se em qualquer meio de prova que indique a convivência com o indigitado pai, o que sustentará o fumus boni iuris”.

Para fins de delimitação e prova suficiente aos alimentos gravídicos, será relevante estabelecer-se um liame do fato afirmado na inicial com o estado gravídico (narrativas convincentes acerca do relacionamento sexual), sendo necessária a comprovação in limine desse estado. E quando inicia o período de gravidez ou “estado gravídico”? A questão será resolvida, outra vez, pelo profissional da área médica que emitirá o atestado (prova de) de gravidez, possibilitando à parte adversa (suposto pai) uma eventual contraprova ou perícia em DNA. Não pensamos a possibilidade de uma prova de gravidez que não seja a laboratorial, pois os exames de laboratório é que “com maior segurança a certificam precocemente” 28.

A ação de alimentos gravídicos, por sua vez, deverá acelerar a realização das perícias em DNA. Segundo Salmo Raskin 29, com o advento da técnica de PCR o teste pode ser feito através da análise em DNA contido nas células do líquido amniótico ou das vilosidades coriônicas da placenta, ao redor do início do quarto mês de gestação.

Dessa forma, em a lei deferindo o prazo de cinco dias para a resposta do indigitado pai (assim como ocorre nas ações cautelares), haverá necessidade de rapidez na realização daquela prova primordial para o estabelecimento da paternidade (exame em DNA), uma vez que os alimentos podem ser deferidos liminarmente e o demandado poderá ter de assumi-los mesmo sem a prova em DNA. Para o deferimento de alimentos gravídicos, provisórios ou definitivos, portanto, não bastará a mera e gratuita imputação de paternidade a alguém, devendo vir amparada na narrativa de fatos conhecidos, ou aptos a serem conhecidos mesmo em sede de justificação judicial. Como ensina Arnaldo Rizzardo:

Para a prova da paternidade, admite-se toda série de documentos demonstradores da convivência quando da concepção, bem como da época quando a mesma ocorreu. Com isso, infundem-se a convicção e certeza sobre a paternidade, sem o que incabível a concessão cautelar de alimentos. 30

4 PROCEDIMENTO

A intenção do legislador é a de que o processo de alimentos gravídicos tenha celeridade e eficácia, sob pena de prejuízos na qualidade gestacional do nascituro ou de ser deferido após o nascimento. Daí a disposição de que o réu será citado para apresentar resposta em 5 (cinco) dias (art. 7º, Lei nº 11.804/2008), tal como disposto no Código de Processo Civil para os procedimentos cautelares (art. 802, CPC). Na resposta, o réu deverá alegar toda a matéria de defesa, sob pena de preclusão. Observe-se que nestas ações não se aplicam os efeitos da revelia, obrigando-se o juiz a instruir celeremente o processo.

No mais, o Código de Processo Civil é aplicado subsidiariamente, como dispõe o art. 11 da Lei nº 11.804/2008: “Aplicam-se supletivamente nos processos regulados por esta lei as disposições das Leis nºs 5.478, de 25 de julho de 1968, e 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil”.

No tocante à legitimidade para a ação, oportuno observarmos que a lei civil – desde o Código Civil de 1916 (art. 4º) – dispôs que a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro (art. 2º, CC/2002). Dessa forma, não tendo o nascituro personalidade civil, pergunta-se, inicialmente: Quem estará legitimando a ação, ou quem será o autor da ação? A gestante e futura mãe ou o nascituro?

Evidentemente, a ação de alimentos gravídicos será ajuizada pela gestante, representando o nascituro, em face do apontado pai. A gestante pleiteia alimentos em nome do embrião que se desenvolve 31. Se os pais forem casados, presume-se a paternidade e o apontado pai arcará de imediato com alimentos gravídicos, em forma de provisórios, liminarmente, podendo discutir a própria paternidade ou o quantum dos alimentos no curso do processo, a fim de não prejudicar o nascituro. Se estiverem os pais convivendo em união estável não declarada, ou mesmo sendo namorados, exigir-se-á uma prova mais robusta para o deferimento liminar, o que não significa maior adiamento da questão. Se o pai não desejar assumir a paternidade, será intimado diretamente para o exame em DNA, sob ameaça do disposto no art. 232 do CC/2002. O exame não podendo ser realizado imediatamente, como no caso de pessoas que dependem da gratuidade da justiça, os alimentos gravídicos devem ser fixados mesmo assim, com base nos elementos ofertados, sob pena de esvaziamento da lei. Afinal, é preferível correr o risco de responsabilizar o sujeito que prova, no futuro, não se o pai [ainda que com sacrifício de valores diante da irrepetibilidade], a manter o nascituro desprotegido por falhas probatórias verificadas na instrução do pedido. 32

Os alimentos gravídicos, embora tragam a sua roupagem definitiva no curso da gravidez, com a nova lei, assumirão um caráter misto, de cautelaridade e definitividade. Serão cautelares, devendo ser postulados de imediato, durante o estado gravídico, deferidos preferencialmente in limine, sob pena de se tornarem prejudicados por eventual demora da instrução; podem ser definitivos, porquanto fixados, assim ficarão depois do nascimento com vida, em não havendo pedido judicial para sua revisão. Consoante dispõe o art. 6º, parágrafo único, da nova lei: “Após o nascimento com vida, os alimentos gravídicos ficam convertidos em pensão alimentícia em favor do menor até que uma das partes solicite a sua revisão”.

Ditos alimentos, certamente, serão gerenciados em sede de liminares, ou em antecipação de tutela, assumindo caráter de urgência em face da discussão operada, o que obrigará o Magistrado a decidir com muito cuidado e atenção redobrada.

A disposição legal (art. 6º, parágrafo único), embora polêmica, é salutar, pois evitará idas e vindas da futura (mãe da) criança à postulação dos alimentos definitivos. Terá o nascituro um título executivo judicial com a fixação de alimentos gravídicos, passível de execução, mesmo sem ainda ter nascido com vida. Há quem sustente que o juiz poderá fixar duplamente os alimentos, ou seja, um para vigorar durante o estado gravídico e outro percentual para vigorar após o nascimento. Nada impede que isso ocorra, mas é preciso ter em mente que os alimentos devem ser fixados de acordo com o binômio alimentar atualizado, não se sabendo e nem podendo prever a necessidade da criança após o nascimento e nem a possibilidade do obrigado. Ademais, não se pode olvidar que ditos alimentos gravídicos são fixados para englobar os exames médicos que serão realizados na gestante, mas, depois, haverá exames na própria criança para acompanhar seu desenvolvimento sadio, o que pode exigir percentual diverso. Dessa forma, temos que as partes é que devem manifestar-se pela modificação ou manutenção daqueles alimentos gravídicos, de acordo com o binômio alimentar que deve ser aferido no momento da exigência.

No plano da prova, verificamos uma possibilidade da inversão do ônus da prova, o que é admitido, em poucas hipóteses, no processo civil. Isso porque o apontado pai (réu) terá interesse imediato na realização de exames periciais (prova), sob pena de arcar com os alimentos gravídicos até depois do nascimento da criança, sem a possibilidade de ressarcir-se, muitas vezes. Pode ser comum o demandado ter de arcar com os custos da prova pericial, também, invertendo a ordem de sua produção e adiantamento de custas.

O réu da ação de alimentos gravídicos será sempre o indigitado pai, não podendo ser movida em face dos avós ou do espólio. Isso porque, não firmada a paternidade do nascituro, não há ligação de parentesco que justifique os alimentos avoengos ou pretensão de transmissibilidade alimentar em sede de direito das sucessões.

No mais, afora o reduzido prazo de contestação, como nas cautelares, a ação seguirá o rito da ação de alimentos (Lei nº 5.478/1968) e do Código de Processo Civil. Nenhuma inovação quanto a isso, portanto.

CONCLUSÃO

Não resta dúvida de que, diante dos alimentos gravídicos procedentes, poderá haver um “esvaziamento” ou uma diminuição das ações de investigação de paternidade. A própria ação de alimentos poderá sofrer algum declínio. Não haverá a extinção dessas ações, mas o apontado pai terá o maior interesse em submeter-se de imediato a toda sorte de exames periciais, no curso da ação de alimentos gravídicos, pouco restando de prova à paternidade e à via dos alimentos definitivos. Assim, comprovada a paternidade na ação de alimentos gravídicos, a solução será o registro civil imediato do filho, sob pena de sobrevir nova ação (de paternidade) e, quiçá, novos honorários advocatícios.

O princípio da irrepetibilidade dos alimentos deve ser flexibilizado, pois, não provada a paternidade, em a gestante poderá responder por perdas e danos, podendo tais despesas serem postuladas junto ao verdadeiro pai da criança, sob pena de enriquecimento indevido.

Haverá dificuldades aos exames em DNA quando as partes forem pobres e litigarem sob o pálio da gratuidade da justiça diante de eventual demora na realização da prova, mas isso não deverá desviar o julgador de reconhecer a paternidade responsável e impor alimentos gravídicos para não prejudicar o nascituro.

Como bem advertiu o Desembargador Ênio Zuliani, o juiz deve ter a sensibilidade de atuar de acordo com as circunstâncias e com a urgência, pois as decisões não devem demorar mais tempo do que o período gestacional.

Fonte: http://www.iob.com.br/bibliotecadigitalderevistas/bdr.dll/RDF/6486/9be8/9c44/9c45/9c46?f=templates&fn=altmain-nf.htm&q=Alimentos%20grav%EDdicos&x=Simple&2.0#LPHit1

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