Comunhão Parcial de Bens: Aspectos e Implicações no Âmbito do Direito de Família e Sucessões

Por: Luis Mauricio Lindoso e Alex Mauricio Lindoso

O regime de comunhão parcial de bens é amplamente adotado no Brasil, configurando-se como regime legal, ou seja, em casos em que os nubentes ou os companheiros (união estável) não estabelecem um regime matrimonial diferente em pacto antenupcial.

Este regime é regido pelo Código Civil de 2002, nos artigos 1.658 a 1.666, e apresenta peculiaridades significativas, especialmente no que concerne aos efeitos sucessórios. Este artigo visa elucidar os contornos desse regime, destacando suas características e consequências na esfera do Direito de Família e Sucessões.

No regime da comunhão parcial, os bens adquiridos pelos cônjuges após a celebração do casamento – ou durante a união estável e até eventual separação de fato – são considerados comuns ao casal, enquanto os bens que cada um possuía antes do casamento ou união e os que lhes couberem por doação ou sucessão permanecem como propriedade exclusiva de cada um. Destaca-se aqui a importância da data de aquisição do bem e a origem dos recursos utilizados na aquisição para determinar se um bem será comum ou particular.

Um aspecto de relevante interesse no regime da comunhão parcial de bens é a sub-rogação, mecanismo que possibilita a transformação da natureza de um bem, de particular para comum, ou vice-versa. Este conceito é tratado no artigo 1.659, inciso VI, do Código Civil Brasileiro.

A sub-rogação ocorre, por exemplo, quando um dos cônjuges vende um bem particular adquirido antes do casamento e utiliza o valor obtido para adquirir outro bem durante a vigência do matrimônio. Neste caso, o novo bem adquirido seguirá a mesma natureza do bem original, ou seja, será considerado bem particular, não integrando a massa patrimonial comum do casal.

É importante destacar que, para que haja a sub-rogação, é imprescindível que o valor utilizado na aquisição do novo bem seja proveniente exclusivamente da venda ou substituição do bem original. Além disso, para garantia da transparência e segurança jurídica, recomenda-se que tal fato seja documentado, evitando-se, assim, futuras controvérsias quanto à natureza do bem.

Este princípio da sub-rogação é de extrema relevância, principalmente em situações de dissolução do casamento ou de sucessão, pois define a partilha e a herança dos bens, assegurando que os direitos de propriedade sejam respeitados conforme a origem de cada bem.

Portanto, no regime de comunhão parcial, a sub-rogação representa um mecanismo essencial para a correta classificação dos bens, influenciando diretamente na administração do patrimônio do casal e em suas consequências sucessórias. A atenção a este detalhe é fundamental para os profissionais do Direito, garantindo a aplicação adequada das normas patrimoniais no âmbito familiar e ser uma questão usualmente esquecida.

A administração dos bens comuns, segundo o artigo 1.660 do Código Civil, cabe a ambos os cônjuges, devendo ser exercida em conjunto ou com o consentimento do outro, exceto nos casos de bens móveis, cuja administração individual é permitida. Este aspecto reflete a necessidade de um esforço conjunto na gestão do patrimônio comum.

As dívidas contraídas pelos cônjuges na constância do casamento obrigam a ambos, desde que visem à manutenção da família ou à aquisição de bens comuns, conforme o artigo 1.664 do Código Civil. Tal disposição implica uma responsabilidade compartilhada também no campo das obrigações.

Na ocorrência do falecimento de um dos cônjuges, o regime de comunhão parcial de bens apresenta efeitos relevantes na esfera sucessória. O cônjuge sobrevivente concorre com os descendentes e, em sua falta, com os ascendentes na herança, conforme estipula o artigo 1.829 do Código Civil. Importante frisar que o cônjuge sobrevivente herdará tanto na qualidade de herdeiro quanto na de meeiro, ou seja, ele terá direito à metade do patrimônio comum (meação) e ainda concorrerá à herança do falecido nos bens particulares deste.

É crucial notar que a compreensão adequada do regime da comunhão parcial de bens demanda uma análise atenta da origem dos bens e do momento de sua escolha. Além disso, no tocante à sucessão, o cônjuge sobrevivente pode se deparar com situações complexas, especialmente na presença de bens particulares do de cujus, onde a distinção entre meação e herança se faz imprescindível.

Possibilidade de Partilha e de Sobrepartilha do Saldo de FGTS nas Ações de Divórcio

Já ocorreram muitas discussões nos tribunais quanto à possibilidade ou não de partilha do saldo do FGTS em ações de divórcio, havia vários entendimentos que oscilavam entre a completa impossibilidade até à fatores externos, como o fato de já ter sido sacado ou não.

Contudo, verifica-se atualmente um entendimento consolidado, para os casos de comunhão parcial e comunhão total de bens, que O FGTS, independente de saque, constitui um direito patrimonial que pode ser objeto de partilha em um divórcio, senão vejamos o entendimento do STJ:

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. PARTILHA DE BENS. DIVISÃO DO MONTANTE RELATIVO À CONTA VINCULADA AO FGTS. COMUNICABILIDADE.

APLICAÇÃO DO ENTENDIMENTO DO STJ. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.

1. O entendimento atual do Superior Tribunal de Justiça é o de que os proventos do trabalho recebidos, por um ou outro cônjuge, na vigência do casamento, compõem o patrimônio comum do casal, a ser partilhado na separação, tendo em vista a formação de sociedade de fato, configurada pelo esforço comum dos ex-conviventes.

2. Consoante a jurisprudência desta Corte, “deve ser reconhecido o direito à meação dos valores do FGTS auferidos durante a constância do casamento, ainda que o saque daqueles valores não seja realizado imediatamente à separação do casal” (REsp 1.399.199/RS, Rel.

Ministra Maria Isabel Gallotti, Rel. p/ Acórdão Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em 9/3/2016, DJe 22/4/2016).

3. A fim de viabilizar a realização desse direito (divisão de valores relativos ao FGTS), nos casos em que ocorrer, a Caixa Econômica Federal (CEF) deverá ser comunicada para que providencie a reserva do montante referente à meação, para que num momento futuro, quando da realização de qualquer das hipóteses legais de saque, seja possível a retirada do numerário. Precedente.

4. Agravo interno desprovido.

(AgInt no REsp 1931933/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/09/2021, DJe 23/09/2021)

Ou seja, o saldo do FGTS acumulado durante o período do casamento se enquadra como um bem partilhável nos regimes acima especificados. Essa interpretação é dominante no STJ, em que pese ainda encontrar oscilações estaduais, mas no geral os tribunais têm entendido que o saldo do FGTS, por ser fruto do trabalho e do esforço comum do casal, deve ser partilhado na separação, independente de quem tenha efetuado os depósitos.

A sobrepartilha ocorre quando um bem que deveria ter sido partilhado no momento do divórcio não foi incluído na partilha por algum motivo, como desconhecimento ou esquecimento. O FGTS, em alguns casos, pode ser objeto de sobrepartilha, especialmente se, no momento do divórcio, não foi considerado ou dividido entre as partes.

A possibilidade de sobrepartilha do FGTS está amparada pelo Código de Processo Civil, que prevê a sobrepartilha de bens descobertos após a partilha original. No caso do FGTS, a sobrepartilha é cabível quando se verifica que havia saldo de FGTS não sacado e acumulado no decorrer da união na data da separação de fato das partes.

Quanto ao prazo prescricional para a ação de sobrepartilha, a jurisprudência e a doutrina brasileiras são fundamentais para sua compreensão. De acordo com o entendimento predominante, a ação de sobrepartilha segue o prazo prescricional estabelecido para ações pessoais, que, segundo o Código Civil, é de 10 anos.

Este prazo começa a contar a partir do trânsito em julgado da decisão que homologou a partilha, tendo teorias, como da actio nata, que chega a considerar o prazo inicial da prescrição a partir do momento em que uma das partes teve ciência da existência do bem não partilhado.

Em resumo, o saldo do FGTS acumulado durante o casamento é passível de partilha no divórcio.

Caso não tenha sido partilhado, pode ser objeto de sobrepartilha. O prazo prescricional para ingressar com a ação de sobrepartilha é de 10 anos, conforme o Código Civil. A análise de casos específicos deve sempre considerar a jurisprudência atual e as circunstâncias particulares de cada caso, mas considerando serem verbas usualmente de elevada monta e que usualmente eram esquecidas ou excluídas da partilha, vale a pena checar.